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A MÚSICA COMO UM SINAL DE CONTINUIDADE COM TODA A IGREJA
Lutero não descartou a herança musical sacra. Considerava a herança
musical como um sinal de continuidade do louvor do povo de Deus. Zuínglio
e Calvino foram mais radicais e queriam enfatizar sua diferença com a
Igreja Católica evitando tudo o que pudesse lembrar algo relacionado ao
catolicismo. Radicalizaram tanto sua reforma que “limparam” as igrejas de
seus afrescos, estátuas, vestimentas e órgãos. Zuínglio baniu qualquer espécie
de música do culto e Calvino permitiu apenas o canto de salmos versificados.
Lutero, ao contrário, tentou usar tudo o que a tradição tivesse deixado e que
não conflitasse com a continuidade da obra da reforma; nesta linha conservou
música e liturgia até onde fosse possível.
A ênfase na continuidade da Reforma Luterana com toda a igreja está
refletida na Confissão de Augsburgo, um documento que procurou restaurar
a unidade. A intenção da Confissão de Augsburgo era que houvesse “retorno
a uma só verdadeira e concorde religião”. O Livro de Concórdia reenfatiza
tal unidade afirmando que está fundamentado no “antigo consenso
que a igreja de Cristo universal e ortodoxa tem crido, lutado contra muitas
heresias e erros e repetidamente afirmado”. É importante lembrar ainda
que no início do Livro de Concórdia estão os três Credos Ecumênicos,
confessados e aceitos por toda a igreja.
Lutero não quis recomeçar a igreja do início. Tudo que estivesse em
conformidade com a obra da Reforma seria mantido; isto incluía o culto.
Nada de radicalismo. Em seu “Formulário da Missa e da Comunhão para a
Igreja de Wittenberg” (1523) ele afirmou: “Por isso confessamos em primeiro
lugar que nem agora nem jamais foi nossa intenção abolir totalmente o culto
a Deus, mas apenas purificar novamente esse que está em uso, mas que
está viciado pelos piores acréscimos, e mostrar o uso evangélico”.
Para Lutero, dois elementos da Missa estavam primordialmente
corrompidos: O Cânon da Missa e o Ofertório. Na sua Missa Latina ele
também afirma:
No presente livro, porém, não queremos analisar se a missa é um
sacrifício ou uma boa obra. A respeito disso ensinamos o suficiente
em outra parte. Nós a compreendemos como sacramento,
testamento, ação de graças, como se diz em latim, ou eucaristia em
grego, mesa do Senhor, Ceia do Senhor, memória do Senhor,
comunhão, ou qualquer nome evangélico que agrade, desde que a
designação não esteja poluída pela idéia de sacrifício ou obra.
Lutero percebeu que a Missa e sua música, bem como diversas
cerimônias, muitas vezes foram pervertidas em boa obra.
Aí, a palavra “ofício divino” tem tomado hoje em dia um sentido e
uso tão estranho que todo aquele que a ouve não pensa nestas obras
de Deus, mas antes no badalar de sinos, na madeira e pedra das
igrejas, no recipiente de incenso, no bruxuleio das velas, no murmúrio
nas igrejas, no ouro, prata e pedras preciosas nas vestimentas dos
meninos do coro e dos celebrantes, no cálice e custódias, nos órgãos
e imagens, nas procissões e devotos, e, acima de tudo, no balbuciar
dos lábios e no chocalhar dos rosários.
A ira de Lutero se dirigia àqueles que viam no culto um meio para
receberem justiça ou para se tornarem piedosos através de boas obras.
Analisando 1 Coríntios 2.15, Lutero comenta que o homem espiritual
percebe com grande claridade que grandes tolos são aqueles que
desejam tornar-se piedosos através de obras, e ele não dará nenhum
centavo para todas as tonsuras de sacerdotes, monges, bispos e
papas nem por capelos, incenso, badalo de sinos, queima de velas,
canto, barulho ao órgão ou recitar de orações com toda sua
representação externa. Ele vê agora como tudo isto é nada senão
idolatria e falsificação insensata.
Lutero tinha certeza que os “cristãos não se tornam justos fazendo obras
justas; mas uma vez que eles foram justificados pela fé em Cristo, eles fazem
boas obras”.116 Isto não quer dizer que Lutero quisesse abolir as cerimônias.
Além desses sinais exteriores [os sacramentos] e meios de salvação,
a Igreja tem ainda outros meios, igualmente exteriores, pelos quais
ela não é santificada, nem no corpo nem na alma, e que também
não são instituídos por ele. Mas acontece ... que se torna necessário
ou útil por questões externas e que é convenientemente e de bom
costume ... que se usem igrejas ou construções eclesiásticas, altar,
púlpito, pia batismal, lustres, velas, sinos, vestes sacerdotais e coisas
semelhantes.
Na Tese 55 das suas Noventa e Cinco Teses, Lutero também enfatiza a
necessidade de cerimônias: “Se indulgências, que são uma coisa muito
insignificante, são celebradas com um sino, uma procissão, então o evangelho,
que é a verdadeira maior coisa, deveria ser celebrado com cem sinos, cem
procissões, cem cerimônias.
Aceitar a herança da tradição era, para Lutero, estar ligado com os cristãos
de outros tempos e lugares e estar lembrado que a igreja de seu tempo era
também parte da única, santa, católica e apostólica, a comunhão dos santos.
O resultado disso era que as revisões da liturgia da tradição católica ocidental
relembravam a tradição mais antiga. No seu artigo “Recebendo Ambas as
Espécies no Sacramento”, Lutero comentou: “Que a antiga prática continue.
Que a missa seja celebrada com vestimentas consagradas, com cantos e
todas as cerimônias usuais, em latim, reconhecendo o fato que estes são
meros fatores externos que não prejudicam as consciências dos homens”.
No “Prefácio ao Saltério”(1528) Lutero afirmou que o canto dos salmos
significa juntar-se a todos os que já cantaram os salmos antes de nós:
“Quando estas palavras [o Saltério] agradam ao homem e se ajustam ao
seu caso, ele torna-se convicto de que ele está na comunhão dos santos e
que isto surtiu efeito com todos os santos como surte efeito para ele, uma
vez que todos eles cantam com ele uma pequena canção”. No seu escrito
“Tratado sobre as Últimas Palavras de Davi”, perto do final de sua vida,
Lutero disse:
Santo Ambrósio compôs muitos hinos da igreja. Eles são chamados
hinos da igreja por que a igreja os aceitou e os canta simplesmente
como se a igreja os tivesse escrito e como se eles fossem os cantos
da igreja. Por isso não é costume dizer “Assim canta Ambrósio,
Gregório, Prudêncio, Sedúlio” mas “Assim canta a Igreja Cristã”.
Porque estes são agora os cantos da igreja, que Ambrósio, Sedúlio,
etc., cantam com a igreja e a igreja com eles. Quando eles morrem,
a igreja sobrevive a eles e prossegue em cantar suas canções.
Schalk conclui:
Aqui não havia exclusividade paroquial, nenhuma auto-suficiência
provincial, mas uma posição de solidariedade e continuidade com a
igreja católica. Esta atitude iria informar as práticas cúlticas e
musicais até que as posteriores práticas de individualismo,
privatização e personalismo tanto do pietismo como do racionalismo
iriam invadir o luteranismo e causariam dano tanto para sua liturgia como para a música.
A MÚSICA COMO UM SINAL DE CONTINUIDADE COM TODA A IGREJA
Lutero não descartou a herança musical sacra. Considerava a herança
musical como um sinal de continuidade do louvor do povo de Deus. Zuínglio
e Calvino foram mais radicais e queriam enfatizar sua diferença com a
Igreja Católica evitando tudo o que pudesse lembrar algo relacionado ao
catolicismo. Radicalizaram tanto sua reforma que “limparam” as igrejas de
seus afrescos, estátuas, vestimentas e órgãos. Zuínglio baniu qualquer espécie
de música do culto e Calvino permitiu apenas o canto de salmos versificados.
Lutero, ao contrário, tentou usar tudo o que a tradição tivesse deixado e que
não conflitasse com a continuidade da obra da reforma; nesta linha conservou
música e liturgia até onde fosse possível.
A ênfase na continuidade da Reforma Luterana com toda a igreja está
refletida na Confissão de Augsburgo, um documento que procurou restaurar
a unidade. A intenção da Confissão de Augsburgo era que houvesse “retorno
a uma só verdadeira e concorde religião”. O Livro de Concórdia reenfatiza
tal unidade afirmando que está fundamentado no “antigo consenso
que a igreja de Cristo universal e ortodoxa tem crido, lutado contra muitas
heresias e erros e repetidamente afirmado”. É importante lembrar ainda
que no início do Livro de Concórdia estão os três Credos Ecumênicos,
confessados e aceitos por toda a igreja.
Lutero não quis recomeçar a igreja do início. Tudo que estivesse em
conformidade com a obra da Reforma seria mantido; isto incluía o culto.
Nada de radicalismo. Em seu “Formulário da Missa e da Comunhão para a
Igreja de Wittenberg” (1523) ele afirmou: “Por isso confessamos em primeiro
lugar que nem agora nem jamais foi nossa intenção abolir totalmente o culto
a Deus, mas apenas purificar novamente esse que está em uso, mas que
está viciado pelos piores acréscimos, e mostrar o uso evangélico”.
Para Lutero, dois elementos da Missa estavam primordialmente
corrompidos: O Cânon da Missa e o Ofertório. Na sua Missa Latina ele
também afirma:
No presente livro, porém, não queremos analisar se a missa é um
sacrifício ou uma boa obra. A respeito disso ensinamos o suficiente
em outra parte. Nós a compreendemos como sacramento,
testamento, ação de graças, como se diz em latim, ou eucaristia em
grego, mesa do Senhor, Ceia do Senhor, memória do Senhor,
comunhão, ou qualquer nome evangélico que agrade, desde que a
designação não esteja poluída pela idéia de sacrifício ou obra.
Lutero percebeu que a Missa e sua música, bem como diversas
cerimônias, muitas vezes foram pervertidas em boa obra.
Aí, a palavra “ofício divino” tem tomado hoje em dia um sentido e
uso tão estranho que todo aquele que a ouve não pensa nestas obras
de Deus, mas antes no badalar de sinos, na madeira e pedra das
igrejas, no recipiente de incenso, no bruxuleio das velas, no murmúrio
nas igrejas, no ouro, prata e pedras preciosas nas vestimentas dos
meninos do coro e dos celebrantes, no cálice e custódias, nos órgãos
e imagens, nas procissões e devotos, e, acima de tudo, no balbuciar
dos lábios e no chocalhar dos rosários.
A ira de Lutero se dirigia àqueles que viam no culto um meio para
receberem justiça ou para se tornarem piedosos através de boas obras.
Analisando 1 Coríntios 2.15, Lutero comenta que o homem espiritual
percebe com grande claridade que grandes tolos são aqueles que
desejam tornar-se piedosos através de obras, e ele não dará nenhum
centavo para todas as tonsuras de sacerdotes, monges, bispos e
papas nem por capelos, incenso, badalo de sinos, queima de velas,
canto, barulho ao órgão ou recitar de orações com toda sua
representação externa. Ele vê agora como tudo isto é nada senão
idolatria e falsificação insensata.
Lutero tinha certeza que os “cristãos não se tornam justos fazendo obras
justas; mas uma vez que eles foram justificados pela fé em Cristo, eles fazem
boas obras”.116 Isto não quer dizer que Lutero quisesse abolir as cerimônias.
Além desses sinais exteriores [os sacramentos] e meios de salvação,
a Igreja tem ainda outros meios, igualmente exteriores, pelos quais
ela não é santificada, nem no corpo nem na alma, e que também
não são instituídos por ele. Mas acontece ... que se torna necessário
ou útil por questões externas e que é convenientemente e de bom
costume ... que se usem igrejas ou construções eclesiásticas, altar,
púlpito, pia batismal, lustres, velas, sinos, vestes sacerdotais e coisas
semelhantes.
Na Tese 55 das suas Noventa e Cinco Teses, Lutero também enfatiza a
necessidade de cerimônias: “Se indulgências, que são uma coisa muito
insignificante, são celebradas com um sino, uma procissão, então o evangelho,
que é a verdadeira maior coisa, deveria ser celebrado com cem sinos, cem
procissões, cem cerimônias.
Aceitar a herança da tradição era, para Lutero, estar ligado com os cristãos
de outros tempos e lugares e estar lembrado que a igreja de seu tempo era
também parte da única, santa, católica e apostólica, a comunhão dos santos.
O resultado disso era que as revisões da liturgia da tradição católica ocidental
relembravam a tradição mais antiga. No seu artigo “Recebendo Ambas as
Espécies no Sacramento”, Lutero comentou: “Que a antiga prática continue.
Que a missa seja celebrada com vestimentas consagradas, com cantos e
todas as cerimônias usuais, em latim, reconhecendo o fato que estes são
meros fatores externos que não prejudicam as consciências dos homens”.
No “Prefácio ao Saltério”(1528) Lutero afirmou que o canto dos salmos
significa juntar-se a todos os que já cantaram os salmos antes de nós:
“Quando estas palavras [o Saltério] agradam ao homem e se ajustam ao
seu caso, ele torna-se convicto de que ele está na comunhão dos santos e
que isto surtiu efeito com todos os santos como surte efeito para ele, uma
vez que todos eles cantam com ele uma pequena canção”. No seu escrito
“Tratado sobre as Últimas Palavras de Davi”, perto do final de sua vida,
Lutero disse:
Santo Ambrósio compôs muitos hinos da igreja. Eles são chamados
hinos da igreja por que a igreja os aceitou e os canta simplesmente
como se a igreja os tivesse escrito e como se eles fossem os cantos
da igreja. Por isso não é costume dizer “Assim canta Ambrósio,
Gregório, Prudêncio, Sedúlio” mas “Assim canta a Igreja Cristã”.
Porque estes são agora os cantos da igreja, que Ambrósio, Sedúlio,
etc., cantam com a igreja e a igreja com eles. Quando eles morrem,
a igreja sobrevive a eles e prossegue em cantar suas canções.
Schalk conclui:
Aqui não havia exclusividade paroquial, nenhuma auto-suficiência
provincial, mas uma posição de solidariedade e continuidade com a
igreja católica. Esta atitude iria informar as práticas cúlticas e
musicais até que as posteriores práticas de individualismo,
privatização e personalismo tanto do pietismo como do racionalismo
iriam invadir o luteranismo e causariam dano tanto para sua liturgia como para a música.