O BEM PASSADO OU ATRÁS DE NÓS
A consideração deste bem é fácil quando feita a partir de sua imagem contrária, o mal passado. Assim mesmo queremos ajudar ao que se empenha nesta consideração. Neste assunto é um exímio artista o B. Agostinho em suas Confissões, onde, de modo belíssimo, enumera os benefícios de Deus para consigo desde o ventre de sua mãe. O mesmo faz o insigne Salmo 139.1ss.: “Senhor, puseste-me à prova”, onde, entre outras coisas, admirado da providência de Deus em relação a si próprio, diz: “Entendeste meus pensamentos de longe, investigaste meu caminho e meu funículo”, como se quisesse dizer: “Tudo que jamais pensei, tudo que fiz, o que haverei de conseguir e possuir, vejo-o agora como não são alcançados por meus esforços, mas foram estabelecidos muito antes desses em teu cuidado por mim”. Por fim diz: “Previste todos os meus caminhos e não há discurso em minha língua”. Onde então? No teu poder.
Isso nós aprendemos de experiência própria. Pois se repensamos a nossa vida passada, não nos causa admiração que pensamos, desejamos, agimos e falamos desta ou daquela forma, como jamais o pudemos prever? Como teríamos agido de modo diferente se tivesse dependido do nosso livre arbítrio! Só agora entendemos e vemos o quanto o cuidado de Deus esteve presente, como foi constante sua solicitude por nós, de sorte que nada pudemos falar, nem desejar, nem pensar a não ser o que Ele concedesse, como diz Sb 7.16: “Em sua mão estão tanto nós quanto nossos discursos”, e Paulo: “ O que opera tudo em nós”. (1 Co 12.6) Por que então não nos envergonhamos, insensatos e duros de coração, que, tendo aprendido pela própria experiência, vemos quão solícito foi por nós o Senhor até esta hora e nos deu todos os bens? E ainda não somos capazes de entregar a ele este cuidado por nós no pequeno mal do presente, e fazemos de conta que ele nos tivesse esquecido ou pudesse esquecer-nos de alguma maneira? Não é isto o que diz Sl 40.17: “Eu sou carente e pobre, o Senhor, porém tem cuidado de mim”. O B. Agostinho diz sobre esta passagem: “Deixa cuidar de ti aquele que te fez; aquele que cuidou de ti antes que existisses, como não cuidará quando já és o que ele quis que fosses? Nós, porém, aceitamos dividir o reino de Deus. Atribuímos a ele o fato de nos ter criado, e até isso de modo apenas relutante ou morno; e a nós mesmos arrogamos o cuidado de nós, como se Deus nos tivesse feito e logo se tivesse retirado, abandonando-nos ao governo de nossas próprias mãos.
No entanto, se nossa sabedoria e planos nos impedem de ver este cuidado de Deus por nós, visto que talvez muitas coisas se realizam de acordo com nossos propósitos, voltemos de novo ao nosso intuito com Sl 139.15: “Não te estiveram ocultos meus ossos que fizeste em oculto (isto é, meus ossos no ventre materno tu os vias e formavas, quando eu ainda não existia, quando minha mãe ainda não sabia o que acontecia dentro dela) e minha substância nas profundezas da terra ( isto é, a figura ou forma de meu corpo no mais íntimo das vísceras de minha mãe também não te era oculta, pois tu a formavas)”. Que outra coisa quer ele com estas palavras do que mostrar-nos com esse exemplo ingente o quanto Deus sempre cuidou de nós sem nossa participação? Pois q uem pode gloriar-se de ter cooperado quando estava se formando no útero? Quem colocou na mãe o cuidado de nos amamentar, acariciar, amar e exercer todos aqueles deveres maternos quando nós ainda não tínhamos tomado consciência de nossa vida? E por fim, saberíamos e nos lembraríamos disso se não, tendo visto que a outros acontecem as mesmas coisas, fôssemos levados a crer que também aconteceram conosco? Pois tanto quanto temos conhecimento, todas estas coisas nos foram dedicadas como que a adormecidos, sim, a mortos ou a ainda não nascidos.
Assim vemos como sem a nossa contribuição as misericórdias e consolações divinas nos sustêm. E ainda agora duvidamos e também desesperamos se até hoje ele ainda tem cuidado de nós. E se alguém ao qual esta experiência não ensina nem comove, não sei o que poderia ensinar e comover. Pois nós a vemos exposta, a cada passo, de forma muito presente, em todas as crianças pequenas, de sorte que tantos exemplos propostos a nossa ignorância e dureza nos deveriam levar, com razão, a uma grande vergonha, se duvidamos que nos pudesse acontecer o menor bem ou mal sem o especial cuidado de Deus. Assim diz o B. Pedro em 1 Pe 5.7: “Lançando sobre ele toda a solicitude, porque ele tem cuidado de vós”. E Sl 37.5: “Lança sobre o Senhor teu cuidado, e ele te alimentará”. E o B. Agostinho diz a sua alma nas Confissões: “Por que te apoias em ti mesma, e não permaneces em pé? Lança-te sobre ele; ele não subtrairá sua mão, para que caias”. E novamente lemos em 1 Pe 4.19: “ Por isso também aqueles que sofrem segundo a vontade de Deus encomendem suas almas ao fiel Criador em boas obras”.
Oh, se alguém reconhecesse seu Deus por esta razão! Como viveria seguro, aquietado, alegre! Esse de fato teria um Deus, sabendo com certeza que todas as coisas que lhe dizem respeito, quaisquer que sejam, lhe acontecem e acontecerão apenas por disposição de sua mais amável vontade. Permanece firme a frase de Pedro: “Ele tem cuidado de vós”. Que coisa mais agradável podemos ouvir do que esta palavra? “Por isso”, diz ele, “lançai sobre ele toda a solicitude”. Pois se o não fazemos e tomamos o cuidado de nós em nossas próprias mãos, que outra coisa fazemos do que esforçar-nos para impedir o cuidado de Deus e, ao mesmo tempo, tornamos o tempo de nossa vida triste, laborioso, ansioso por muitos temores, cuidados e inquietações? E tudo isso em vão! Pois com isso nada de salutar promovemos, mas, como diz Eclesiastes: “Esta é a vaidade das vaidades e a aflição de espírito”. (1.2,14) Pois todo o livrinho fala desta experiência: Como tentou muitas coisas para si, e em todas nada encontrou senão trabalho, vaidade e aflição do espírito, de sorte que conclui ser um presente de Deus quando alguém tem o que comer e beber e se alegra com sua mulher, isto é, quando vive sem preocupações, tendo o cuidado por si recomendado a Deus. Por isso também nós não devemos ter outra preocupação por nós do que não nos preocuparmos conosco mesmos e não tirarmos de Deus o cuidado por nós. O restante cada qual deduzirá para si com facilidade da imagem contrária (como já disse) e da recordação de toda a vida passada.
OBRAS SELECIONADAS DE LUTERO V2 TÁBUA 2 CAPÍTULO 3 PG 37-39 “O PROGRAMA DA REFORMA”
A consideração deste bem é fácil quando feita a partir de sua imagem contrária, o mal passado. Assim mesmo queremos ajudar ao que se empenha nesta consideração. Neste assunto é um exímio artista o B. Agostinho em suas Confissões, onde, de modo belíssimo, enumera os benefícios de Deus para consigo desde o ventre de sua mãe. O mesmo faz o insigne Salmo 139.1ss.: “Senhor, puseste-me à prova”, onde, entre outras coisas, admirado da providência de Deus em relação a si próprio, diz: “Entendeste meus pensamentos de longe, investigaste meu caminho e meu funículo”, como se quisesse dizer: “Tudo que jamais pensei, tudo que fiz, o que haverei de conseguir e possuir, vejo-o agora como não são alcançados por meus esforços, mas foram estabelecidos muito antes desses em teu cuidado por mim”. Por fim diz: “Previste todos os meus caminhos e não há discurso em minha língua”. Onde então? No teu poder.
Isso nós aprendemos de experiência própria. Pois se repensamos a nossa vida passada, não nos causa admiração que pensamos, desejamos, agimos e falamos desta ou daquela forma, como jamais o pudemos prever? Como teríamos agido de modo diferente se tivesse dependido do nosso livre arbítrio! Só agora entendemos e vemos o quanto o cuidado de Deus esteve presente, como foi constante sua solicitude por nós, de sorte que nada pudemos falar, nem desejar, nem pensar a não ser o que Ele concedesse, como diz Sb 7.16: “Em sua mão estão tanto nós quanto nossos discursos”, e Paulo: “ O que opera tudo em nós”. (1 Co 12.6) Por que então não nos envergonhamos, insensatos e duros de coração, que, tendo aprendido pela própria experiência, vemos quão solícito foi por nós o Senhor até esta hora e nos deu todos os bens? E ainda não somos capazes de entregar a ele este cuidado por nós no pequeno mal do presente, e fazemos de conta que ele nos tivesse esquecido ou pudesse esquecer-nos de alguma maneira? Não é isto o que diz Sl 40.17: “Eu sou carente e pobre, o Senhor, porém tem cuidado de mim”. O B. Agostinho diz sobre esta passagem: “Deixa cuidar de ti aquele que te fez; aquele que cuidou de ti antes que existisses, como não cuidará quando já és o que ele quis que fosses? Nós, porém, aceitamos dividir o reino de Deus. Atribuímos a ele o fato de nos ter criado, e até isso de modo apenas relutante ou morno; e a nós mesmos arrogamos o cuidado de nós, como se Deus nos tivesse feito e logo se tivesse retirado, abandonando-nos ao governo de nossas próprias mãos.
No entanto, se nossa sabedoria e planos nos impedem de ver este cuidado de Deus por nós, visto que talvez muitas coisas se realizam de acordo com nossos propósitos, voltemos de novo ao nosso intuito com Sl 139.15: “Não te estiveram ocultos meus ossos que fizeste em oculto (isto é, meus ossos no ventre materno tu os vias e formavas, quando eu ainda não existia, quando minha mãe ainda não sabia o que acontecia dentro dela) e minha substância nas profundezas da terra ( isto é, a figura ou forma de meu corpo no mais íntimo das vísceras de minha mãe também não te era oculta, pois tu a formavas)”. Que outra coisa quer ele com estas palavras do que mostrar-nos com esse exemplo ingente o quanto Deus sempre cuidou de nós sem nossa participação? Pois q uem pode gloriar-se de ter cooperado quando estava se formando no útero? Quem colocou na mãe o cuidado de nos amamentar, acariciar, amar e exercer todos aqueles deveres maternos quando nós ainda não tínhamos tomado consciência de nossa vida? E por fim, saberíamos e nos lembraríamos disso se não, tendo visto que a outros acontecem as mesmas coisas, fôssemos levados a crer que também aconteceram conosco? Pois tanto quanto temos conhecimento, todas estas coisas nos foram dedicadas como que a adormecidos, sim, a mortos ou a ainda não nascidos.
Assim vemos como sem a nossa contribuição as misericórdias e consolações divinas nos sustêm. E ainda agora duvidamos e também desesperamos se até hoje ele ainda tem cuidado de nós. E se alguém ao qual esta experiência não ensina nem comove, não sei o que poderia ensinar e comover. Pois nós a vemos exposta, a cada passo, de forma muito presente, em todas as crianças pequenas, de sorte que tantos exemplos propostos a nossa ignorância e dureza nos deveriam levar, com razão, a uma grande vergonha, se duvidamos que nos pudesse acontecer o menor bem ou mal sem o especial cuidado de Deus. Assim diz o B. Pedro em 1 Pe 5.7: “Lançando sobre ele toda a solicitude, porque ele tem cuidado de vós”. E Sl 37.5: “Lança sobre o Senhor teu cuidado, e ele te alimentará”. E o B. Agostinho diz a sua alma nas Confissões: “Por que te apoias em ti mesma, e não permaneces em pé? Lança-te sobre ele; ele não subtrairá sua mão, para que caias”. E novamente lemos em 1 Pe 4.19: “ Por isso também aqueles que sofrem segundo a vontade de Deus encomendem suas almas ao fiel Criador em boas obras”.
Oh, se alguém reconhecesse seu Deus por esta razão! Como viveria seguro, aquietado, alegre! Esse de fato teria um Deus, sabendo com certeza que todas as coisas que lhe dizem respeito, quaisquer que sejam, lhe acontecem e acontecerão apenas por disposição de sua mais amável vontade. Permanece firme a frase de Pedro: “Ele tem cuidado de vós”. Que coisa mais agradável podemos ouvir do que esta palavra? “Por isso”, diz ele, “lançai sobre ele toda a solicitude”. Pois se o não fazemos e tomamos o cuidado de nós em nossas próprias mãos, que outra coisa fazemos do que esforçar-nos para impedir o cuidado de Deus e, ao mesmo tempo, tornamos o tempo de nossa vida triste, laborioso, ansioso por muitos temores, cuidados e inquietações? E tudo isso em vão! Pois com isso nada de salutar promovemos, mas, como diz Eclesiastes: “Esta é a vaidade das vaidades e a aflição de espírito”. (1.2,14) Pois todo o livrinho fala desta experiência: Como tentou muitas coisas para si, e em todas nada encontrou senão trabalho, vaidade e aflição do espírito, de sorte que conclui ser um presente de Deus quando alguém tem o que comer e beber e se alegra com sua mulher, isto é, quando vive sem preocupações, tendo o cuidado por si recomendado a Deus. Por isso também nós não devemos ter outra preocupação por nós do que não nos preocuparmos conosco mesmos e não tirarmos de Deus o cuidado por nós. O restante cada qual deduzirá para si com facilidade da imagem contrária (como já disse) e da recordação de toda a vida passada.
OBRAS SELECIONADAS DE LUTERO V2 TÁBUA 2 CAPÍTULO 3 PG 37-39 “O PROGRAMA DA REFORMA”