A teologia medieval ou escolástica baseava-se amplamente no pensamento de Aristóteles (384-322 a. C.), um dos mais importantes filósofos da antiga Grécia. Era comum dizer-se que a filosofia em geral é a serva da teologia e que, sem Aristóteles, ninguém pode ser teólogo. Formaram-se as correntes ou “escolas” dos tomistas, seguidores do dominicano italiano Tomás de Aquino (1225-1274), dos escotistas, seguidores do franciscano escocês João Duns Escoto (aproximadamente 1270-1308), e dos occamistas, seguidores do franciscano inglês Guilherme de Occam (aproximadamente 1285-1349), sendo esta última corrente também chamada de “via moderna”.
Na Universidade de Erfurt, Lutero foi educado segundo os padrões filosóficos do occamismo. Cedo, porém, começou a ficar insatisfeito com a maneira escolástica de fazer teologia. Como professor de interpretação da Bíblia, desde 1512, na recém-fundada (1502) Universidade de Wittenberg, aprofundou-se no estudo da Sagrada Escritura. Em busca de alternativas, encontrou importante ajuda nos escritos de Agostinho (354-430), bispo de Hipona, na África do Norte, um dos maiores pensadores de toda a história da teologia cristã. Agostinho era patrono da Universidade Wittenberg, e seu pensamento foi de grande importância para a Ordem dos Agostinianos Eremitas, à qual Lutero pertenceu. A partir de critérios tomados da Bíblia e de Agostinho, Lutero percebeu que a Teologia estava acorrentada no cativeiro da escolástica, impossibilitada de articular adequadamente a questão essencial da fé cristã, ou seja, graça e justificação, Deus em seu relacionamento com o ser humano e vice-versa. As verdades da fé não podem ser compreendidas em toda a sua profundidade mediante a aplicação das regras da lógica filosófica. A teologia precisava ser libertada, sobretudo da ditadura de Aristóteles, a quem, certa vez, Lutero caracterizou como “esse palhaço que, com sua máscara grega, tanto enganou a Igreja”. O método teológico alternativo era o do paradoxo: afirmações que a lógica tradicional considerava paradoxais passaram a ser usadas para expressar adequadamente as verdades cristãs.
Lutero tornou-se o mentor espiritual da nova maneira de fazer teologia. Convenceu seus colegas da Faculdade de Teologia da necessidade de substituir as matérias tradicionais por outras, mais adequadas para conduzir os alunos ao centro da fé cristã. Em maio de 1517, escreveu a seu amigo João Lang, em Erfurt, que “nossa teologia e Agostinho progridem bem, com a ajuda de Deus, e predominam em nossa universidade. Aristóteles decai pouco a pouco e está sendo arruinado”.
Na universidade havia regularmente debates públicos sobre séries de teses formuladas especialmente para essa finalidade. Quem pretendia adquirir qualquer grau acadêmico precisava demonstrar sua capacidade intelectual participando de tal debate. Como as teses não se destinavam à publicação, proporcionavam a oportunidade de apresentar ideias novas sem o risco de uma intervenção imediata das autoridades eclesiásticas. Para o debate de seu discípulo Francisco Günther, pretendente ao título de bacharel em Estudos Bíblicos. Lutero resumiu, em 97 teses claras e radicais, sua crítica a todo o sistema da teologia escolástica. As teses, redigidas entre 21 de Agosto e 4 de Setembro de 1517, dirigem-se sobretudo contra Gabriel Biel e sua concepção da capacidade natural do ser humano (teses 5 a 36), bem como contra a concepção de justiça de Aristóteles e o papel do mesmo na teologia (teses 37 a 53), tratando também da relação existente entre graça, obediência, livre arbítrio e amor (teses 54 a 97). O debate realizou-se em 4 de Setembro de 1517. Sobre seu conteúdo nada sabemos, mas o título de bacharel em Estudos Bíblicos foi conferido a Francisco Günther por unanimidade.
Lutero mandou as teses para Erfurt e Nürnberg. Estava ansioso para conhecer a reação de outros. Chegou a se prontificar a ir pessoalmente a Erfurt para defender publicamente seu ataque aos fundamentos da escolástica. Seus ex-professores, no entanto, não lhe responderam diretamente. Como soube mais tarde, haviam comentado que Lutero era arrogante e condenava precipitadamente os que divergiam de sua teologia. Entre os jovens, porém, as críticas de Lutero foram recebidas como um ato de libertação das verdades bíblicas de seu cativeiro aristotélico-eclesiástico. Na evolução de Lutero, as teses representam a fase da crítica. São o mais importante testemunho escrito de seu rompimento com a escolástica e, assim, com seu próprio passado teológico. Ainda não apresentam o programa de uma teologia alternativa. Entretanto, com as teses, Lutero removeu definitivamente os obstáculos no caminho em direção a uma teologia autêntica, que chega ao “interior da noz” e à “medula dos ossos”. Seu amigo Cristóvão Sheurl, de Nürnberg, respondeu-lhe, acertadamente, em 4 de Novembro daquele ano, após ter recebido as teses: “Restaurar a Teologia de Cristo”!
É provável que as teses tenham sido originalmente impressas em forma de cartaz para poderem ser afixadas em Wittenberg, nos lugares destinados a este fim. Não se conhece nenhum exemplar do original. Só nas reedições as teses estão numeradas; contam-se entre 97 e 100 teses. Os editores modernos preferem contar 97 teses.
Joachim Fischer
OBRAS SELECIONADAS DE LUITERO VOLUME 1 PÁGINA 13-14 “OS PRIMÓRDIOS”