veio a mim e suplantou à infância sem que esta fosse embora, pois, para onde poderia ir?
Contudo deixou de existir, porque eu já não era um bebezinho que não falava, mas um menino
que aprendia a falar. Disso me recordo; mas como aprendi a falar, só mais tarde é que vim a
perceber. Não mo ensinaram os mais velhos apresentando-me as palavras com certa ordem e
método, como logo depois fizeram com as letras; mas foi por mim mesmo, com o entendimento
que me deste, meu Deus, quando queria manifestar meus sentimentos com gemidos, gritinhos, e
vários movimentos do corpo, a fim de que atendessem meus desejos; e também ao ver que não
podia exteriorizar tudo o que queria, nem ser compreendido por todos aqueles a quem me dirigia.
Assim, pois, quando chamavam alguma coisa pelo nome, eu a retinha na memória e, ao se
pronunciar de novo a tal palavra, moviam o corpo na direção do objeto, eu entendia e notava que
aquele objeto era o denominado com a palavra que pronunciavam, porque assim o chamavam
quando o desejavam mostrar.
Que esta fosse sua intenção, era-me revelado pelos movimentos do corpo, que são como
uma linguagem universal, feita com a expressão rosto, a atitude dos membros e o tom da voz, que
indicam os afetos da alma para pedir, reter, rejeitar ou evitar alguma coisa. Deste modo, das
palavras usadas nas e colocadas em várias frases e ouvidas repetidas vezes, ia eu aos poucos
notando o significado e, domada a dificuldade de minha boca, comecei a dar a entender minhas
vontades por meio delas.
Foi assim que comecei a comunicar meus desejos às pessoas entre as quais vivia, e entrei
a fazer parte do tempestuoso mundo da sociedade, dependendo da autoridade de meus pais e
obedecendo às pessoas mais velhas.
Agostinho de Hipona "Confissões" Capítulo 8