À direita estão nossos amigos, em cujos males nosso mal é mitigado, como ensina S. Pedro em 1 Pe 5.9: "Resisti ao diabo fortes na fé, cientes de que os mesmos sofrimentos acontecem a vossa irmandade no mundo". Assim também a igreja ora em suas preces para que, estimulados pelos exemplos dos santos, imitemos o poder de seus sofrimentos, e canta: "Quantos tormentos sofreram todos os santos, para chegarem seguros à palma do martírio"! Destas palavras e cantos da igreja depreendemos que se devem celebrar e multiplicar as festas, dias comemorativos, igrejas, altares, nomes, para que por seu exemplo, sejamos animados a suportar os mesmos males que eles suportaram. Quando não venerados desta forma, qualquer outro culto a eles não pode ficar isento de superstição, como, aliás, existem muitos que cultuam tudo isso para não precisarem suportar o mal que os santos ensinam a suportar por seu exemplo e sua memória, e para se tornarem dessemelhantes daqueles cujas festas têm para tornar-se semelhantes a eles.
No entanto, da forma mais bonita trata dessa consolação o apóstolo em Hb 12.4ss., dizendo: "Ainda não resististe até o sangue, lutando contra o pecado, e estais esquecidos da consolação que vos dirige como a que filhos, dizendo: 'Meu filho, não negligencies a disciplina do Senhor, nem te acabrunhes quando por Ele és arguido. Pois o Senhor castiga a quem ama, e flagela a todo filho que recebe'. Perseverai na disciplina. Deus vos apresenta como a filhos. Qual é o filho que o pai não corrige? Se, pois, estais fora da disciplina, da qual todos foram feitos participantes, então sois ilegítimos e não filhos. Se, portanto, tivemos pais segundo nossa carne como mestres e os veneramos, não haveremos de ser muito mais obedientes ao Pai dos espíritos, para que vivamos? No presente, nenhuma disciplina parece alegria, e sim tristeza; depois, porém, retribuirá o mais pacífico fruto da justiça para os que por ela foram exercitados". Assim o diz Paulo. Quem não se assustará com essas palavras paulinas nas quais define com clareza que não são filhos de Deus os que se encontram fora da disciplina de Deus? E quem pode ser confirmado com mais firmeza e consolado com mais eficácia do que aquele que ouve que são amados de Deus os que são castigados? Que são filhos, participantes da comunhão de todos os santos? Que não estão sozinhos os que sofrem? Esta exortação veemente inclusive fará amável a disciplina.
Aqui não há espaço para a desculpa de que alguns sofrem menos, outros mais. Cada qual é tentado de acordo com a medida que não excede suas forças, como diz Sl 80.6: "Alimentar-nos-ás com pão e lágrimas e nos darás a beber lágrimas em medida", como também diz Paulo: "Deus é fiel, que não permitirá que sejais tentados além do que sois capazes, mas faz com que a tentação tenha um resultado tal que possais suportar". (1 Co 10.13) Quanto maior, portanto, o mal, maiores o resultado e o auxílio divino, de sorte que a desigualdades do sofrimento é mais aparente do que de fato. Não nos deixa estupefatos a todos nós o B. João Batista, cuja degolação por Herodes hoje comemoramos? Que tão grande homem, que de mulher não nasceu maior do que ele, amigo único do noivo, precursor de Cristo, o maior de todos os profetas, não fosse ao menos morto por julgamento público, ou então acusado por uma causa inventada (a exemplo de Cristo), ou por causa do povo, mas no cárcere, por causa de uma dançarina, filha de mulher adúltera? Aquele homem morreu como se fosse desconhecido de Deus, dos seres humanos e de todas as criaturas. Que sofremos nós de que não digo que nos deveríamos gloriar, mas de que não deveríamos envergonhar, se comparado com a morte dele? Em que situação nos encontraremos se nada quisermos sofrer, enquanto homens deste porte sofrem, imerecidamente, até mesmo morte tão vergonhosa e seus corpos são entregues aos inimigos após a morte para objeto de escárnio? "Eis", diz Jeremias "que os que não estavam condenados a beber o cálice tiveram que bebê-lo, e tu permanecerás inocente? Não ficarás inocente, mas beberás". (Jr 49.12)
Por isso estava certo aquele eremita que, estando doente alguns anos seguidos, ficou profundamente triste quando esteve sadio por um ano inteiro, e se lamentava porque Deus se esquecera dele e lhe negava sua graça. A tal ponto é necessária a salutar disciplina do Senhor para todos os cristãos.
Vemos, porém, como é nada o que nós sofremos, se considerarmos as torturas, os cárceres, espada, fogo, feras e tormentos infinitos dos santos, sim, se ponderarmos as gravíssimas perseguições e tentações que pessoas que vivem conosco no tempo presente têm que sofrer da parte do diabo. Pois não faltam os que sofrem com mais acridez e gravidade do que nós, tanto no espírito quanto no corpo.
Dizem aqui alguns: "Queixo-me que meu sofrimento não pode ser comparado ao sofrimento dos santos, porque sou pecador e indigno de ser comparado àqueles; aqueles sofrem por causa de sua inocência, eu, por causa de meus pecados. Por isso não admira que eles suportassem tudo com alegria". Esta palavra revela grande estultícia. Pois se sofreres por causa dos pecados, deves alegrar-te, porque teus pecados estão sendo purificados. E acaso não foram também os santos pecadores? Acaso temes ser semelhante a Herodes e ao bandido à esquerda? Não o és, se fores paciente. Pois que distinguiu o bandido da esquerda do da direita senão a paciência e impaciência? Se és pecador, tudo bem; também o bandido era pecador. Com paciência, porém, mereceu a glória da justiça e da santidade. Assim, faze tu o mesmo. Pois não podes sofrer senão ou pelos pecados ou pela justiça. Qualquer desses sofrimentos, porém, santifica e beatifica, desde que o ames. Por esta razão não resta desculpa. Numa palavra: Tão logo confessares que estás sofrendo justamente por causa de teus pecados, és justo e santo como o bandido da direita. Pois a confissão dos pecados, visto que é a verdade, justifica e santifica, e imediatamente, no momento desta confissão, já não sofres pelos pecados mas pela inocência. Pois o justo só sofre inocentemente. Mas tu te tornaste justo pela confissão do sofrimento merecido e de teus pecados. Por essa razão teu sofrimento é comparado de verdade e dignamente aos sofrimentos dos santos tanto quanto tua confissão se compara de verdade e dignamente à confissão dos santos. Pois há uma só verdade de todos, uma só confissão de todos os pecadores, um só sofrimento de todos os males e uma só verdadeira comunhão dos santos em tudo e por meio de todas as coisas.
OBRAS SELECIONADAS DE LUTERO V2 CAPÍTULO 6 "O PROGRAMA DA REFORMA"
No entanto, da forma mais bonita trata dessa consolação o apóstolo em Hb 12.4ss., dizendo: "Ainda não resististe até o sangue, lutando contra o pecado, e estais esquecidos da consolação que vos dirige como a que filhos, dizendo: 'Meu filho, não negligencies a disciplina do Senhor, nem te acabrunhes quando por Ele és arguido. Pois o Senhor castiga a quem ama, e flagela a todo filho que recebe'. Perseverai na disciplina. Deus vos apresenta como a filhos. Qual é o filho que o pai não corrige? Se, pois, estais fora da disciplina, da qual todos foram feitos participantes, então sois ilegítimos e não filhos. Se, portanto, tivemos pais segundo nossa carne como mestres e os veneramos, não haveremos de ser muito mais obedientes ao Pai dos espíritos, para que vivamos? No presente, nenhuma disciplina parece alegria, e sim tristeza; depois, porém, retribuirá o mais pacífico fruto da justiça para os que por ela foram exercitados". Assim o diz Paulo. Quem não se assustará com essas palavras paulinas nas quais define com clareza que não são filhos de Deus os que se encontram fora da disciplina de Deus? E quem pode ser confirmado com mais firmeza e consolado com mais eficácia do que aquele que ouve que são amados de Deus os que são castigados? Que são filhos, participantes da comunhão de todos os santos? Que não estão sozinhos os que sofrem? Esta exortação veemente inclusive fará amável a disciplina.
Aqui não há espaço para a desculpa de que alguns sofrem menos, outros mais. Cada qual é tentado de acordo com a medida que não excede suas forças, como diz Sl 80.6: "Alimentar-nos-ás com pão e lágrimas e nos darás a beber lágrimas em medida", como também diz Paulo: "Deus é fiel, que não permitirá que sejais tentados além do que sois capazes, mas faz com que a tentação tenha um resultado tal que possais suportar". (1 Co 10.13) Quanto maior, portanto, o mal, maiores o resultado e o auxílio divino, de sorte que a desigualdades do sofrimento é mais aparente do que de fato. Não nos deixa estupefatos a todos nós o B. João Batista, cuja degolação por Herodes hoje comemoramos? Que tão grande homem, que de mulher não nasceu maior do que ele, amigo único do noivo, precursor de Cristo, o maior de todos os profetas, não fosse ao menos morto por julgamento público, ou então acusado por uma causa inventada (a exemplo de Cristo), ou por causa do povo, mas no cárcere, por causa de uma dançarina, filha de mulher adúltera? Aquele homem morreu como se fosse desconhecido de Deus, dos seres humanos e de todas as criaturas. Que sofremos nós de que não digo que nos deveríamos gloriar, mas de que não deveríamos envergonhar, se comparado com a morte dele? Em que situação nos encontraremos se nada quisermos sofrer, enquanto homens deste porte sofrem, imerecidamente, até mesmo morte tão vergonhosa e seus corpos são entregues aos inimigos após a morte para objeto de escárnio? "Eis", diz Jeremias "que os que não estavam condenados a beber o cálice tiveram que bebê-lo, e tu permanecerás inocente? Não ficarás inocente, mas beberás". (Jr 49.12)
Por isso estava certo aquele eremita que, estando doente alguns anos seguidos, ficou profundamente triste quando esteve sadio por um ano inteiro, e se lamentava porque Deus se esquecera dele e lhe negava sua graça. A tal ponto é necessária a salutar disciplina do Senhor para todos os cristãos.
Vemos, porém, como é nada o que nós sofremos, se considerarmos as torturas, os cárceres, espada, fogo, feras e tormentos infinitos dos santos, sim, se ponderarmos as gravíssimas perseguições e tentações que pessoas que vivem conosco no tempo presente têm que sofrer da parte do diabo. Pois não faltam os que sofrem com mais acridez e gravidade do que nós, tanto no espírito quanto no corpo.
Dizem aqui alguns: "Queixo-me que meu sofrimento não pode ser comparado ao sofrimento dos santos, porque sou pecador e indigno de ser comparado àqueles; aqueles sofrem por causa de sua inocência, eu, por causa de meus pecados. Por isso não admira que eles suportassem tudo com alegria". Esta palavra revela grande estultícia. Pois se sofreres por causa dos pecados, deves alegrar-te, porque teus pecados estão sendo purificados. E acaso não foram também os santos pecadores? Acaso temes ser semelhante a Herodes e ao bandido à esquerda? Não o és, se fores paciente. Pois que distinguiu o bandido da esquerda do da direita senão a paciência e impaciência? Se és pecador, tudo bem; também o bandido era pecador. Com paciência, porém, mereceu a glória da justiça e da santidade. Assim, faze tu o mesmo. Pois não podes sofrer senão ou pelos pecados ou pela justiça. Qualquer desses sofrimentos, porém, santifica e beatifica, desde que o ames. Por esta razão não resta desculpa. Numa palavra: Tão logo confessares que estás sofrendo justamente por causa de teus pecados, és justo e santo como o bandido da direita. Pois a confissão dos pecados, visto que é a verdade, justifica e santifica, e imediatamente, no momento desta confissão, já não sofres pelos pecados mas pela inocência. Pois o justo só sofre inocentemente. Mas tu te tornaste justo pela confissão do sofrimento merecido e de teus pecados. Por essa razão teu sofrimento é comparado de verdade e dignamente aos sofrimentos dos santos tanto quanto tua confissão se compara de verdade e dignamente à confissão dos santos. Pois há uma só verdade de todos, uma só confissão de todos os pecadores, um só sofrimento de todos os males e uma só verdadeira comunhão dos santos em tudo e por meio de todas as coisas.
OBRAS SELECIONADAS DE LUTERO V2 CAPÍTULO 6 "O PROGRAMA DA REFORMA"